8.10.08

Lc 9,28-36 – Personagens "transfiguradas"


A Transfiguração, segundo Lucas (Lc 9,28-36) – As personagens

O relato da transfiguração apresenta-nos seis personagens, tantos como os que se podem observar na figura.
Os principais são Jesus e Pedro: são personagens redondos, ou seja, são constituídos por mais de um traço, têm alguma complexidade, embora de modo completamente distinto. Pedro começa por acompanhar Jesus, que sobe ao monte para orar. Em seguida, embora o texto não diga quanto tempo depois, o certo é que a certa altura ele e os seus companheiros estavam «a cair de sono». Em seguida, ao contemplar a glória de Jesus, parece estar eufórico («é bom estar aqui»), enquanto que depois da aparição da nuvem e da voz, fica completamente silencioso, sugerindo uma atitude de alguém que se sente completamente ultrapassado pelos acontecimentos que vive. O outro personagem principal, porventura “o” personagem principal, é Jesus que, neste relato, não profere uma única palavra em discurso directo. No entanto, é dito ao leitor que Jesus está a rezar, que se transfigura («o aspecto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma brancura fulgurante»), que fala com Moisés e com Elias, que fica só depois da desaparição da voz – em suma, há uma série de transformações no personagem que é indubitavelmente o centro de toda a intriga.


Os personagens secundários são todos os restantes: João, Tiago, Moisés e Elias. Todos eles são caracterizados por um único traço. João e Tiago apenas são mencionados no início como companheiros de Jesus na sua subida ao monte, mas, no resto do relato, o narrador apelida-os simplesmente de «companheiros» de Pedro. Moisés e Elias também são personagens planos como os dois anteriores, pois apenas se diz que falam com Jesus, sem nenhuma outra informação adicional.
Poder-se-á acrescentar um sétimo personagem, também plano: a voz que vem da nuvem, voz que o leitor presume que seja de Deus – é, no entanto, um personagem incorpóreo.

Como se colocam as personagens ao serviço da intriga? Analisei-as da seguinte forma:
Sujeito – Jesus – é à volta dele que gira toda a intriga
Objecto – Transfiguração - é a "acção" de Jesus
Emissor – A voz vinda da nuvem
Destinatário – Pedro e companheiros
Adjuvante – Moisés e Elias
Oponente – A ignorância de Pedro

A construção dos personagens pode ser feita mostrando a sua acção (showing) ou dizendo o que é que estão a fazer (telling). Neste episódio temos:

Uns oito dias depois destas palavras, levando consigo Pedro, João e Tiago, Jesus subiu ao monte para orar.
Enquanto orava, o aspecto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma brancura fulgurante. E dois homens conversavam com Ele: Moisés e Elias, os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua morte, que ia acontecer em Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando eles iam separar-se de Jesus, Pedro disse-lhe: «Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Não sabia o que estava a dizer. Enquanto dizia isto, surgiu uma nuvem que os cobriu e, quando entraram na nuvem, ficaram atemorizados. E da nuvem veio uma voz que disse: «Este é o meu Filho predilecto. Escutai-o.» Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou só. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, nada contaram a ninguém do que tinham visto.

No que diz respeito aos sentimentos que os personagens provocam ao leitor, podemos dizer que não há nenhum que seja antipático, ou seja, que provoque desconfiança, inimizade ou qualquer outro sentimento negativo. Os personagens secundários, que atrás já identificámos, são neutros neste aspecto, uma vez que a brevidade da sua caracterização não permite que se estabeleçam laços entre o leitor e os personagens. Assim, restam Jesus e Pedro como aqueles com os quais o leitor se pode identificar. Neste sentido, pode-se dizer que Pedro é um personagem simpático, pois apesar de não compreender o sentido dos acontecimentos do relato, a relação que se cria entre o leitor e ele é positiva. Já em relação a Jesus, também há uma relação positiva, mas que no entanto é mais forte – trata-se de uma identificação intensa. É, pois, um personagem empático.

O jogo de focalizações neste episódio é relativamente simples. Não há, em nenhum momento, nenhuma focalização interna, ou seja, não se dá nenhum acesso à interioridade de um personagem. A focalização é, na maior parte do relato, externa – coincide com a que o leitor poderia observar por si mesmo se estivesse presente no local; a posição do leitor é igual à das personagens nestes momentos. Há apenas dois momentos em que a focalização não é externa, mas sim de grau zero. Tratam-se de momentos em que é dado ao leitor um suplemento de informação, que lhe permite saber mais do que as personagens: Estes momentos acontecem quando o narrador diz que «Não sabia o que estava a dizer», e «Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, nada contaram a ninguém do que tinham visto».

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