13.10.08

Análise de Mc. 10, 46-52

O cego à saída de Jericó

Texto

46Chegaram à Jericó. Ao sair de Jericó com os seus discípulos e grande multidão, estava sentado à beira do caminho, mendigando, o cego Bartimeu, filho de Timeu. 47Quando percebeu que era Jesus, o Nazareno, que passava, começou a gritar: «Filho de Davi, Jesus, tem compaixão de mim!». 48E muitos o repreendiam para que se calasse. Ele, porém, gritava mais ainda: «Filho de Davi, tem compaixão de mim!». 49Detendo-se, Jesus disse: «Chamai-o!». Chamaram o cego, dizendo-lhe: «Coragem! Ele te chama. Levanta-te». 50Deixando a sua capa, levantou-se e foi até Jesus. 51Então Jesus lhe disse: «Que queres que eu te faça?». O cego respondeu: «Rabbúni! Que eu possa ver novamente!». 52Jesus lhe disse: «Vai, a tua fé te salvou». No mesmo instante ele recuperou a vista e seguia-o no caminho.

Modalidades de acção

Encontrei no texto a modalidade querer/fazer (51Então Jesus lhe disse: «Que queres que eu te faça?») e a modalidade poder/fazer (O cego respondeu: «Rabbúni! Que eu possa ver novamente!»). Jesus, sujeito da acção transformadora, é influenciado pelos gritos insistentes do cego Bartimeu. Jesus não só não toma primeiro a iniciativa, embora possua o saber/fazer, mas até espera que Bartimeu o volte a invocar uma segunda vez, antes de se deter. Parece-me que, se por um lado está em Jesus o saber/fazer, por outro, o cego possui o querer/fazer e o poder/fazer. Este, porém, não os tinha ao princípio; adquire-os graças ao chamamento de Jesus que o leva à fé.

A intriga

Trata-se duma intriga de acção e de revelação, ao mesmo tempo. O cego Bartimeu reconhece o Cristo com as palavras: «Filho de Davi, Jesus, tem compaixão de mim!». No final do relato encontramos a acção de Jesus: 52Jesus lhe disse: «Vai, a tua fé te salvou». No mesmo instante ele recuperou a vista e seguia-o no caminho.

As personagens

Logo ao princípio do relato aparecem os discípulos e uma grande multidão, e, mais a frente, “muitos”; todos eles constituem personagens colectivos. Os personagens individuais, por outro lado, são: Bartimeu e Jesus. Estes são os protagonistas, enquanto os colectivos são secundários. Os “muitos”, por exemplo, são personagens planos, pois se reduzem ao único traço de reprovação perante o comportamento do cego. Bartimeu, pelo contrário, é redondo: no v. 46 ele aparece sentado e mendigando, mas depois dá-se uma evolução e, no v. 50 deixa o pouco que tinha, a sua capa, e, levantando-se, vai até Jesus. No v. 52, finalmente, Bartimeu recupera a vista e segue Jesus no caminho. Jesus também é apresentado como personagem redondo, pois num primeiro momento parece não dar ouvido à súplica do cego, mas depois acaba por escutar e curar Bartimeu.
Na primeira parte Bartimeu é o emissor da sua súplica, sendo Jesus o destinatário. Depois Jesus passa a ser emissário, primeiro respeito aos discípulos e depois falando a Bartimeu. Os discípulos também, por sua vez, tornam-se emissários, chamando o cego, e são adjuvantes de Jesus. A multidão, pelo contrário, ocupa o papel de oponente. Bartimeu é sujeito, por um lado, mas também objecto da acção transformadora, cujo sujeito é Jesus.
O narrador constrói os personagens através o seu agir (showing).
A passagem de Jesus provoca uma transformação na vida de Bartimeu, que o levanta da sua miséria. Mas isto acontece em dois momentos: primeiro o cego grita a Jesus, permanecendo sentado; só depois de ter sido chamado pelos discípulos ele se levanta, deixando a sua capa. Bartimeu corta, assim, radicalmente com o seu passado de mendigo. Ele é claramente um personagem simpático, como os discípulos, enquanto os que repreendem o cego tornam-se antipáticos.
O v. 46 caracteriza-se por uma focalização externa, excepto o grau zero “filho de Timeu”. Todo o resto do relato só tem uma focalização externa e não aparece nenhuma focalização interna.

Enquadramento

Temporal. A cronologia tem um valor simplesmente factual. No v. 52 aparece um traço típico de Marcos, quando diz: “No mesmo instante”, pois ele é o evangelista da aceleração.
Espacial. Este aspecto é central neste relato. No v. 46 encontramos o dado espacial de Jericó, que se inscreve num esquema político: “ao sair de Jericó” indica que Jesus está perto de Jerusalém, onde será glorificado. Também as duas referências ao “caminho” são fundamentais, pois este relato faz parte da sequência chamada “do caminho”, em que o evangelista sublinha que Jesus está a caminho de Jerusalém.

A temporalidade

O relato desenvolve-se em cenas, mas acaba com um sumário: «No mesmo instante ele recuperou a vista e seguia-o no caminho».

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