10.10.08

A voz de Deus...

A Transfiguração, segundo Lucas (Lc 9,28-36) – A voz narrativa

Uns oito dias depois destas palavras, levando consigo Pedro, João e Tiago, Jesus subiu ao monte para orar. Enquanto orava, o aspecto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma brancura fulgurante. E dois homens conversavam com Ele: Moisés e Elias, os quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua morte, que ia acontecer em Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando eles iam separar-se de Jesus, Pedro disse-lhe: «Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Não sabia o que estava a dizer. Enquanto dizia isto, surgiu uma nuvem que os cobriu e, quando entraram na nuvem, ficaram atemorizados. E da nuvem veio uma voz que disse: «Este é o meu Filho predilecto. Escutai-o.» Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou só. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, nada contaram a ninguém do que tinham visto.

O narrador que encontramos neste relato é, como já vimos, alguém que se coloca do “lado” de Jesus, ou seja, tudo o que diz serve para exaltar a figura de Jesus aos olhos do leitor. Para tal, a “voz” narrativa faz uso de comentários explícitos e implícitos.
No texto encontramos um único comentário explícito, na forma de uma glosa explicativa, quando o narrador diz que Pedro «não sabia o que estava a dizer». Neste caso, trata-se de uma focalização zero, já que é uma informação acerca do interior do personagem e um suplemento de informação a que um mero observador dos acontecimentos não teria acesso.

No que diz respeito a comentários implícitos, podemos encontrar exemplos de intertextualidade, na medida em que a transfiguração de Jesus tem alusões a Ex 24,9-18; 34,29-35 onde encontramos os motivos do monte, da nuvem, da glória, do resplandecer do rosto, etc.. Além disso, os personagens Moisés e Elias são uma remissão para as Escrituras do povo hebreu, na medida em que são símbolos da Lei e dos Profetas. Tudo isto significa que o episódio da transfiguração só se entende para quem tem um certo conhecimento do Antigo Testamento, de modo a perceber a intertextualidade e compreender aquilo que o narrador quer dizer, de modo implícito. Para além disto, também há no relato uma certa ironia de situação, quando Pedro sugere que se façam três tendas – a discrepância entre o entendimento que Pedro faz da situação e o que a história está a dizer leva a que esta ignorância de Pedro dê ao leitor a sugestão de que está em presença de algo fora do comum, que nem os discípulos foram capazes de entender, e que traduz a transcendência de Jesus Cristo, que num primeiro momento é colocado no mesmo plano da Lei e dos Profetas, para de seguida se mostrar ainda superior a estas instâncias.

Nenhum comentário: