13.10.08

IV – Os personagens em Lc 9, 1-6

IV – Os personagens em Lc 9, 1-6

1Tendo convocado os Doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demónios e para curarem doenças. 2Depois, enviou-os a proclamar o Reino de Deus e a curar os doentes, 3e disse-lhes: «Nada leveis para o caminho: nem cajado, nem alforge, nem pão, nem dinheiro; nem tenhais duas túnicas. 4Em qualquer casa em que entrardes, ficai lá até ao vosso regresso. 5Quanto aos que vos não receberem, saí dessa cidade e sacudi o pó dos vossos pés, para servir de testemunho contra eles.» 6Eles puseram-se a caminho e foram de aldeia em aldeia, anunciando a Boa-Nova e realizando curas por toda a parte.

Os personagens deste trecho são Jesus e os discípulos, mas assumem um papel diferente, bem como diferentes maneiras de estar. Jesus é o personagem principal, ou seja, o personagem redondo bem demarcado e individual, ao passo que os discípulos assumem um personagem colectivo, pois nenhum deles se afirma em relação aos outros nem ninguém fala na primeira pessoa sem ser Jesus. No entanto, apesar disto, os discípulos são personagens incontornáveis neste relato, sem os quais não se justificariam as palavras de Jesus que se lhes dirige. Por isso, visto que o relato se “resolve” com o envio dos discípulos, estes não deixam de ser personagens redondos.
O relato presente é um belo exemplo do que é um personagem emissário, aqui “encarnado” por Jesus que emite uma determinada mensagem e um personagem destinatário, que é o grupo dos discípulos que recebem a mensagem e em função disso, executam determinada resposta, que foi partirem em missão. Os discípulos, por acolherem a mensagem de Jesus são personagens adjuvantes, que servem para a revelação de Jesus e são conformes ao Seu projecto. São ainda considerados personagens objecto, por receberem as palavras de Jesus que é directamente direccionada para eles.
O narrador constrói os personagens de duas maneiras. A Jesus, coloca-o a falar, expressando o seu discurso na primeira pessoa mas isto é mostrando o personagem através do que ele faz, neste caso, através do seu discurso, ao passo que aos discípulos, não lhes dá voz, mas descreve a resposta em termos de acção que eles levam a cabo de seguida. Em qualquer dos personagens há uma técnica de “showing”, ou seja, mostrar os personagens através das suas acções.
Os personagens saem do relato alterados, no sentido de não ficarem iguais como estavam. A exortação de Jesus leva-os a darem uma resposta bastante concreta. Não se limitam já a seguir Jesus apenas, para onde quer que Ele fosse, mas passam também eles a ir em nome d´Ele. Esta atitude de obediência dos discípulos cria uma certa empatia para com o leitor, que se identifica com Jesus e vê nos discípulos um exemplo do que isso acarreta. Há como que um desejo de identificação com os discípulos naquele “sim” que dão.
Quanto à focalização, nos dois primeiros versículos temos focalização de grau zero, em que o narrador passa uma informação que não é imediata nem perceptível sem mais nem menos ( a concessão do poder que Jesus dispensa aos discípulos). No discurso de Jesus temo focalização externa, visto que o narrador não acrescenta nada ao que é visível na cena (as próprias palavras de Jesus num discurso na primeira pessoa). Finalmente os versículos 5 e 6 estão redigidos sob focalização externa também , pois o narrador limita-se a contar aquilo que é visível, sem se deter em pormenores como o estado de espírito de cada um, por exemplo. Do ponto de vista do que se sabe, a posição do leitor é igual à dos personagens, pois nada é escondido ou deixado em suspenso. A informação que os discípulos recebem é a mesma que a do leitor, daí que estejamos perante patamares idênticos.

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