24.9.08


critérios para a leitura dos relatos bíblicos

1. Primeira aproximação
* Observar como está construído o relato.
* Examinar o nível formal: composição, estilo, linguagem, tipo de narração.
* Como intervém o narrador?
* O narrador está ou não presente na história?

2. Os limites do texto
* Onde começa o relato e onde termina? (Critérios: tempo; espaço; personagens; tema; modelo ou género literário).
* Dividir o relato em quadros.
* Uma vez fixados os limites, verificar como se liga o texto ao seu contexto (indícios narrativos que remetem para a situação anterior e posterior).
* O relato faz parte de uma sequência narrativa? A sequência é dominada por um herói ou por um tema? Como está construída? Que conexões unem os micro-relatos da sequência?

3. A intriga ou trama
* Que fio condutor assegura a coerência do argumento narrativo? (Distribuir o texto segundo a estrutura quinária: a)Situação inicial; b)Nó; c)Acção transformadora; d)Desenlace; e)Situação final.
* Identificar a presença de modalidades de acção (dever/fazer; querer/fazer; saber/fazer; poder/fazer). Como é que as modalidades de acção influenciam o sujeito da acção transformadora? Quem possui o saber/fazer, o poder/fazer ou ambos? Como os adquire o sujeito? Tinha-os ao princípio?
* A intriga é de resolução (acção) ou de revelação (conhecimento)?

4. Os personagens
* Fazer o inventário dos personagens (individuais ou colectivos) do relato. Que hierarquia se estabelece entre os personagens? Quais são os protagonistas? Quais os secundários? Identificar os personagens redondos (construídos por vários traços) dos personagens planos (reduzidos a um único traço).
* Como se colocam os personagens ao serviço da intriga? (Emissor/Destinatário; Sujeito/Objecto; Oponente/Adjuvante).
* Como constrói o narrador os personagens (Telling: nome, informações; Showing: o agir do personagem)?
* Seguir as transformações dos personagens: como se constroem e modificam através do relato as suas identidades? Quem ou o quê provoca a transformação? Qual é a relação do personagem com o seu passado? Que sentimentos (empatia, simpatia, antipatia) o relato desperta a respeito dos personagens?
* Observar o jogo das focalizações ao longo do texto. Temos acesso à interioridade de um personagem (focalização interna)? Deixa-se ver o que sucede tal como poderia observá-lo o leitor (focalização externa)? Permite-se o acesso a um suplemento de informação que domina o espaço e o tempo (focalização zero)? Do ponto de vista do que se sabe, a posição do leitor é superior, igual ou inferior à dos personagens?

5. O enquadramento
* Observar as indicações temporais. A cronologia tem um valor simplesmente factual ou é também simbólica?
* Quais são os movimentos no espaço, a aproximação ou o distanciamento dos personagens? Os dados espaciais inscrevem-se num esquema político (Judeia/Galileia), topográfico (mar/terra; cidade/campo), arquitectónico (interior/exterior)? Que plano é dominante: vertical, horizontal, circular?
* Que ensina o relato ao leitor sobre o enquadramento da história contada? Como valorizar o papel dessas menções na acção narrativa?

6. A temporalidade
* Quais são as variações na velocidade do relato? Determinar as cenas, as pausas, os sumários, as elipses. Há alternância na velocidade do relato?
* Comparar a ordem do relato com a ordem de sucessão dos acontecimentos da história tal como se pode reconstruir (história contada). Localizar analepses e prolepses: que alcance têm?
* O relato é singulativo, iterativo ou repetitivo?

7. A “voz” narrativa
* Quem fala? Como transparece o quadro de referências do narrador, a sua ideologia, hierarquia de valores, visão do mundo?
* Localizar os comentários explícitos do narrador.
* Que comunica o narrador ao leitor de maneira indirecta ou oblíqua? Identificar os comentários implícitos do narrador (paradoxos, ironia, simbólica, os brancos do texto).

8. O texto e o seu leitor
* De que maneira o texto programa a leitura? Que balizas propõe ao percurso do leitor? (Localizar as formas repetitivas, as conexões. Coloca-se em paralelo no relato a actividade de diversos personagens (síncrese)? Com que intenção?
* Como joga o narrador com a capacidade de previsão do leitor? O texto confirma ou desbarata as expectativas do leitor? Que se pretende construir (ou desconstruir) na posição do leitor?
* O que é que o texto escolhe não dizer? Que deixa ao cuidado do leitor para que este o complete conforme a verosimilhança, a lógica das acções, a linguagem simbólica, a significação geral? Que trabalho interpretativo o convida a realizar?
* Pode-se descobrir no macro-relato um pacto de leitura selado entre narrador e narratário? Como é que o peritexto (proémio, prólogo, frase introdutória) orienta a leitura?
* A que leitor implícito se destina o relato? Identificar as competências pressupostas, a relação com o acontecimento narrado, a eventual conivência entre autor e leitor implícito.

11.9.08

bibliografia

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núcleo programático

E V A N G E L H O S ***S I N Ó P T I C O S


Uma iniciação às práticas de leitura dos relatos bíblicos
Entrar no mundo do texto: a dramática da leitura. A actualidade da exegese bíblica. A importância das abordagens diacrónicas. A prioridade do texto e a incidência das metodologias sincrónicas. Na oficina do texto.

Perante a “Questão Sinóptica”: enigmas e iluminações
A origem dos Evangelhos Sinópticos nos processos de autoconsciência e construção das primeiras comunidades cristãs. Os dispositivos redaccionais e a questão sinóptica. O Documento Q e outras teorias da história da interpretação. Os Evangelhos Sinópticos e a cultura mediterrânica do séc.I.

O projecto evangélico de Marcos
O género literário “Evangelho”. Dimensão histórico-literária do relato. A arquitectura teológica da obra (Jesus e o Evangelho; a natureza, a ética e os sinais do Reino de Deus; discipulado e eclesiologia…). Exegese de textos escolhidos.

O projecto evangélico de Mateus
Dimensão histórico-literária. Estratégia teológica e catequética (Jesus Cristo; a recusa de Israel e a Igreja cristã; teologia da história; as obras e a Lei; escatologia…). Exegese de textos seleccionados.

O projecto evangélico de Lucas
Dimensão histórico-literária. O programa narrativo ao serviço de uma estratégia teológica (A construção de Jesus; A salvação: agentes e destinatários; o universalismo da salvação; o evangelho da misericórdia e da alegria…). Exegese de textos selectos.